URUGUAIANA JN PREVISÃO

“Onde Mora a Impunidade”

Estudo revela que crimes contra a vida seguem sem prioridade do poder público

Ilustração/Pexels. - Apenas 36% dos homicídios foram solucionados no Brasil em 2023, segundo o Instituto Sou da Paz.

Os crimes contra a vida continuam sendo negligenciados pelo poder público no Brasil. Dados da 8ª edição da pesquisa “Onde Mora a Impunidade”, divulgada pelo Instituto Sou da Paz, mostram que apenas 36% dos homicídios registrados em 2023 foram solucionados. O número expõe a fragilidade das investigações e a baixa capacidade do Estado de dar respostas céleres a um dos crimes mais graves do Código Penal. 

 

O levantamento, que chega à sua oitava edição, aponta que o país não tem conseguido aprimorar a eficiência no esclarecimento de assassinatos, índice que se mantém praticamente estagnado desde 2015. O problema, segundo o instituto, não é apenas estatístico: ele representa vidas interrompidas e famílias que seguem sem justiça. 

 

Um exemplo emblemático é o caso de Beatriz Angélica Mota, assassinada em 2015, em Petrolina (PE). Foram sete anos de espera até que o autor do crime, Marcelo da Silva, fosse identificado. Durante esse período, os pais da menina enfrentaram falhas nas investigações e a dor de buscar, por conta própria, respostas que o Estado demorou a dar. O caso, embora solucionado, não entra no índice oficial da pesquisa justamente por ter ultrapassado o prazo considerado adequado para a elucidação. 

 

“A demora no esclarecimento de um homicídio compromete a responsabilização do autor e fragiliza a confiança da sociedade nas instituições”, afirma Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. 

“Quando o Estado falha em investigar com rapidez, ele contribui para a perpetuação da impunidade”, completa. 

 

Falta de prioridade e justiça 

 

Desde o início da série histórica, o índice de elucidação nacional tem oscilado entre 35% e 44%, tendo seu melhor desempenho em 2018. Para o Sou da Paz, a persistente estagnação demonstra que o esclarecimento de homicídios não tem recebido a devida prioridade das instituições públicas, como polícias civis, Ministérios Públicos e tribunais. 

 

O reflexo dessa ineficiência aparece também dentro do sistema prisional brasileiro. Segundo dados do SISDEPEN, apenas 13% dos mais de 670 mil presos no país cumprem pena por homicídio. Em contrapartida, crimes contra o patrimônio (40%) e tráfico de drogas (31%) concentram a maior parte das detenções, delitos em que é mais comum a prisão em flagrante. 

 

A pesquisa reforça que esse modelo privilegia a repressão ostensiva em detrimento das investigações qualificadas, perpetuando um sistema que prioriza o imediato e ignora o essencial: proteger o direito à vida. 

 

Diferenças entre estados e ausência de dados 

 

O estudo deste ano conseguiu calcular o indicador em 17 estados brasileiros. O Distrito Federal lidera o ranking, com 96% dos homicídios esclarecidos, seguido de Rondônia, que alcançou 92%. Na outra ponta, a Bahia apresentou o pior desempenho, com apenas 13% de casos solucionados. 

 

Além da defasagem nos índices de resolução, há também uma grande lacuna nas informações sobre o perfil das vítimas. Apenas oito estados enviaram dados sobre sexo, idade ou raça. Os números revelam que a maioria das vítimas continua sendo jovem e do sexo masculino, embora os casos que envolvem mulheres apresentem taxa ligeiramente maior de esclarecimento. 

 

“A ausência de dados impede que se construam diagnósticos precisos sobre o impacto da violência em diferentes grupos sociais e, consequentemente, políticas públicas mais eficazes”, observa Carolina Ricardo. 

 

Dez estados ficaram fora da análise por apresentarem dados incompletos ou inconsistentes, entre eles, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás e Pará. 

 

Avanços e próximos passos 

 

Mesmo diante das falhas, há movimentação em nível federal para aprimorar a transparência e a padronização dos dados. O Ministério da Justiça e Segurança Pública estuda a criação de uma portaria que institua um indicador nacional de esclarecimento de homicídios, baseado em metodologia já aprovada pelo Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil. 

 

O objetivo é permitir comparações entre estados, identificar boas práticas e orientar políticas públicas voltadas à melhoria da investigação de homicídios no país. 

 

O Instituto Sou da Paz defende que esse avanço seja acompanhado por melhorias tecnológicas nos Ministérios Públicos e Tribunais de Justiça, de modo a garantir o acesso a informações completas e padronizadas, especialmente sobre a data do crime e o perfil das vítimas. 


Estudo revela que crimes contra a vida seguem sem prioridade do poder público Anterior

Estudo revela que crimes contra a vida seguem sem prioridade do poder público

Nova lei amplia proteção a pessoas com deficiência em crimes de estelionato Próximo

Nova lei amplia proteção a pessoas com deficiência em crimes de estelionato

Deixe seu comentário