Economia
Queda histórica do peso argentino terá impacto em Uruguaiana, aponta economista

Eduardo Rocha - Desvalorização do peso e instabilidade em Buenos Aires ameaçam economia na fronteira
O mercado financeiro da Argentina viveu um dia de forte turbulência na segunda-feira, 8/9, após o revés do presidente Javier Milei nas eleições legislativas da província de Buenos Aires, considerada decisiva no cenário político nacional. A derrota, às vésperas do pleito de meio de mandato, aumentou a incerteza e derrubou ativos em diferentes frentes.
O índice S&P Merval, principal termômetro da bolsa de valores de Buenos Aires, registrou queda de 13,23%. Já os títulos soberanos de longo prazo, com vencimento em 35 anos, sofreram recuo de quase 8%. O peso argentino também perdeu força, com desvalorização de 4,25%, negociado a ARS 1.423 por dólar, o menor valor histórico até agora.
Diante da pressão, Milei convocou seu gabinete para discutir alternativas. Apesar de reconhecer a derrota, o presidente afirmou que manterá a atual estratégia econômica, mas deixou em abertos possíveis mudanças políticas até as eleições de outubro.
Impactos na fronteira
O CIDADE ouviu o economista Eduardo Mauch Palmeira, que avaliou como essa instabilidade financeira pode afetar diretamente a rotina de Uruguaiana e região.
Segundo Mauch, a desvalorização do peso reduz o poder de compra dos argentinos que costumam atravessar a fronteira para consumir no Brasil. Ao mesmo tempo, torna os produtos e serviços mais baratos no lado argentino para os moradores de Uruguaiana.
“Esse movimento desloca as compras para Paso de los Libres, pressionando negativamente o varejo uruguaianense, como supermercados, lojas de eletrodomésticos e restaurantes. O chamado ‘turismo de compras inverso’ tende a se intensificar nesses momentos de maior volatilidade”, explicou Palmeira.
O enfraquecimento da moeda vizinha também impacta a receita pública. “Com menos gastos de argentinos em Uruguaiana, cai a arrecadação de ISS e ICMS ligados ao consumo local. Além disso, os diferenciais cambiais incentivam práticas informais, como triangulação e subfaturamento, prejudicando ainda mais o comércio formal”, destacou.
As oscilações cambiais afetam também o transporte internacional. “A incerteza eleva custos operacionais, aumenta risco de cancelamentos e altera o perfil das cargas que passam pela ponte internacional”, avaliou o economista.
Setores ligados à hospitalidade e lazer também sofrem. “Hotéis, restaurantes e entretenimento em Uruguaiana ficam mais caros em pesos. A tendência é de queda na procura por parte de argentinos, enquanto os moradores locais passam a buscar mais alternativas do outro lado da fronteira”, disse.
Outro ponto levantado por Palmeira é o risco de crédito. “A volatilidade reacende a preocupação com contratos e pagamentos vinculados ao peso argentino, reduzindo a disposição para acordos de longo prazo sem cláusulas de proteção cambial”, completou.
O câmbio paralelo como termômetro
O chamado dólar blue voltou a ganhar espaço, operando em torno de ARS 1.410 por dólar nos últimos dias, acima da cotação oficial. Para o professor, esse “gap” serve como sinal de risco e afeta diretamente a dinâmica de consumo na fronteira.
“Quanto maior a diferença entre o oficial e o paralelo, maior o incentivo para precificação pelo câmbio blue em restaurantes, eletrônicos e serviços na Argentina. Isso barateia os gastos para brasileiros e, ao mesmo tempo, afasta os argentinos do comércio de Uruguaiana”, explicou.
Apesar de uma inflação em desaceleração, 1,9% em agosto e cerca de 34% no acumulado de 12 meses, a instabilidade política volta a pressionar o câmbio e os ativos financeiros. O revés eleitoral de Milei ampliou o risco-país, agravando a desconfiança dos investidores.
Recomendações para Uruguaiana
Na avaliação de Eduardo Palmeira, o momento pede atenção redobrada. Ele destaca a importância do monitoramento constante da cotação do peso e do fluxo de consumidores na ponte internacional, além da realização de campanhas de fidelização e parcerias binacionais para reter clientes em períodos de queda no consumo.
O economista também ressalta a necessidade de uma gestão de risco mais eficiente por parte das empresas, com preços ajustados em reais e cláusulas de revisão em contratos. Outra medida considerada fundamental é o reforço da fiscalização aduaneira, a fim de reduzir a informalidade que ameaça a competitividade do comércio local.
“Esses choques políticos-financeiros na Argentina têm efeito imediato sobre Uruguaiana. A capacidade de resposta local, tanto do setor privado quanto do poder público, pode minimizar os impactos e preservar a competitividade do comércio formal”, concluiu o economista.
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