URUGUAIANA JN PREVISÃO

João Eichbaum

O poder dos estagiários

Na semana passada, um escândalo na Justiça gaúcha serviu de matéria para a imprensa: vazaram dados do Tribunal e foram parar nas mãos de advogados, que deles se serviam para beneficiar delinquentes, antecipando-lhes decisões de prisões preventivas e outras medidas.

É evidente que profissionais que se valem de tais expedientes não são dos melhores qualificados no exercício da advocacia. Graças ao baixo nível intelectual de algum deles, ingressando com pedidos de habeas corpus preventivos e assim traindo seus conhecimentos antecipados das decisões, foi instaurado inquérito policial.

As investigações, destinadas a apurar violação de sigilo profissional e comércio de senhas, levaram a um servidor do Tribunal de Justiça. Interrogado, o funcionário confessou ter repassado suas senhas a dois estagiários que haviam atuado naquele tribunal. À guisa de justificação para seu procedimento, esclareceu que “o objetivo era agilizar e tornar mais eficaz o serviço”. Certamente, o servidor era cobrado pelo desempenho e procurou o caminho mais fácil. Se possui “senhas” é porque exerce cargo de importância para o sistema. E o sistema na Justiça gaúcha exige “pressa”, antes de mais nada.

Ninguém ignora que a invenção da figura do estagiário, para atuar na Justiça, tenha servido para isso mesmo: “agilizar”, pois se supõe que juízes e desembargadores sozinhos não consigam dar conta dos processos. Atrasos podem manchar a fama da Justiça gaúcha, de ser muito ágil e operosa, uma Justiça que serve de exemplo para os demais Estados do país...

Para quem não sabe: o “estágio” é uma relação de trabalho anômala, à margem de vários direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal aos trabalhadores comuns. Consiste também, como no caso dos Tribunais e de foros da Justiça, na prestação de um serviço público exercida por pessoas dispensadas das condições de ingresso, exigidas pela mesma Constituição para o desempenho em funções estatais. Em outras palavras, em se tratando do Poder Judiciário: os estagiários são servidores pagos pela Fazenda Pública, para prestarem serviços de que se valem alguns juízes, desembargadores e ministros. Para os contribuintes se torna difícil entender  isso, num sistema que assegura sessenta dias de férias anuais aos excelentíssimos titulares da prestação jurisdicional.

Claro, o “estágio” é mão de obra barata que, somada aos cargos de livre nomeação por juízes, desembargadores e ministros, dispensa os tribunais de promoverem concursos, para não lhes inchar a verba orçamentária, o que aconteceria se preenchessem os cargos com pessoas qualificadas. E com o inchaço daquela verba, não haveria condições de criar penduricalhos para subsídios.

Essa anomalia foi batizada como “estagiariocracia” pelo conceituado jurista Lenio Streck, ao constatar o tamanho das funções atribuídas por juízes aos estagiários, mormente aos chamados “estagiários de gabinete”.

Mas, enquanto o mencionado jurista mostra indignação, possivelmente por tomar conhecimento de desarrazoadas decisões, outros advogados tiram proveito desses estagiários mal remunerados, mas carregados de responsabilidades, que se pode chamar de “poderes”.

E foi a hipertrofia desses “poderes” que levou um conspícuo advogado à seguinte peroração em sustentação oral no TJRGS: “os desembargadores eu respeito, mas dos estagiários tenho medo”.

O Forum boca livre de Lisboa Anterior

O Forum boca livre de Lisboa

Negocia-se um ministro para o STF Próximo

Negocia-se um ministro para o STF

Deixe seu comentário